Acho que uma das principais dúvidas que o pessoal que está começando no mercado de tradução tem é a diferença entre trabalhar com clientes diretos e trabalhar com agências. Vou contar hoje como é trabalhar com agências de tradução.
O que elas esperam do tradutor? O que elas exigem? Vale a pena?
Calma, vamos por partes.
Tradutor in-house
No começo da minha carreira de tradutora, trabalhei como tradutora e revisora em uma agência. Era uma tradutora interna ou in-house, como usam muitas vezes. Basicamente, era um grande escritório com diversos cubículos, cada tradutor trabalhando em extremo silêncio. Parecia uma biblioteca, aquele ambiente de extrema concentração. A nossa comunicação era toda por um tipo de Skype interno.
O cotidiano era assim: no começo do dia, o gerente de projetos passava o documento a ser traduzido informando o nome do cliente, o prazo e o número de palavras. A gente usava uma TM compartilhada com todos os outros tradutores, a “TM geral”, além da TM de cada cliente. Ou seja, todo tradutor alimentava as TMs, o que deixava elas bem gordinhas, mas às vezes também causava problemas. Estou falando de umas 10 pessoas, pelo menos.
Linha de produção
Em geral, a linha de produção de uma agência envolve algumas etapas padrão. A partir do momento que o documento é enviado pelo cliente, passa a ser analisado em relação ao número de palavras, tema e nível de dificuldade. Outra questão a se considerar é o formato em que ele foi enviado (pode ser escaneado daquele jeito, aí já viu, né)? Vamos ter que editar para entregar igualzinho ao original.
Por isso tudo, uma agência costuma ter outros tipos de profissionais como funcionários, como diagramadores, revisores e conferentes. Talvez os conferentes tenham sido substituídos pelo X-Bench hoje em dia, vá saber, mas eram eles que faziam o cotejamento dos arquivos, para ver se tudo estava no lugar correto. Trabalho de formiguinha, mesmo, comparar números em uma tabela, por exemplo. Essa era uma das últimas etapas.
A primeira era com o diagramador, que deixava o documento editável para a gente poder traduzi-lo com CAT Tools – nesse caso específico, com o Wordfast. Depois, o documento era traduzido por um, revisado por outro, verificado pelo conferente e pronto, entregue para o cliente.
Freelancers
Agora que você já tem uma noção da sequência que envolve a tradução de um documento, pode entender melhor como as coisas funcionam lá dentro. Agências médias e grandes têm vários clientes, então muitas vezes não conseguem suprir a demanda só com seus tradutores internos. Daí recorrerem a tradutores e revisores freelancers.
A cronologia de um relacionamento entre um profissional freelancer e uma agência de tradução em geral é a seguinte:
Teste de tradução
A agência gostou do seu currículo, entrou em contato? É de praxe você ser submetido a um teste, não importa a boniteza do seu CV. Não há um modelo de teste comum a todas, mas em geral são textos de umas 500 palavras, de conteúdo técnico e em Word, mesmo. Já fiz até mais de um teste ao mesmo tempo – acho que eram três, cada um de um ramo (técnico, jurídico e marketing, acho que era isso). Só posso dizer que todas as vezes que fiz testes, eles tiveram um prazo super confortável, então não precisa se apavorar.
Contrato de confidencialidade
Foi aprovado? Parabéns, vamos às formalidades.
Uma agência profissional com certeza vai firmar um contrato com você. Por que? Para deixar claro o relacionamento sem obrigações trabalhistas que vocês tem e – um dos itens mais importantes do nosso mercado – por causa do termo de confidencialidade. Se for agência brasileira, ela pode até pedir para você enviar por correio, com firma reconhecida. Não é incomum, não.
Em geral, esse termo de confidencialidade tem cláusulas do estilo “você não pode reproduzir o conteúdo das traduções”. Nada mais é do que uma formalidade do bom senso de você não sair por aí contando o que traduziu. Tradutor não é fofoqueiro, coloque isso na sua cabeça para todo o sempre. Traduzimos informações comerciais e muitas vezes pessoais, afinal de contas. Mantenhamos a discrição.
Esse documento para agências de língua inglesa é o famoso NDA – Non-disclosure Agreement. Agências dos Estados Unidos também costumam pedir outro documento assinado, o formulário W8. Ele tem esse jeitão aqui:
Eu sei que parece super complicado e dá certo medinho, mas novamente, pura formalidade. É simplesmente um documento para você dizer que não é cidadão norte-americano e, portanto, não tem obrigações fiscais lá. Leia direitinho que tudo está minimamente explicado, preencha, assine e mande para a agência. Você já tem uma assinatura eletrônica, não é mesmo?
Na Europa, não estranhe se te pedirem para colocar seu currículo no modelo da União Europeia. Simples também, só preencher e assinar. Você achava que só no Brasil temos burocracia?
Vários modelos e tamanhos
Não existe um modelo pronto de agência para eu descrever para você aqui. Eu já trabalhei com diversas ao longo desses anos, posso garantir que nenhuma é igual à outra. Tem agência que paga em 30 dias, outras que pagam em 45 e umas que pagam em 60! Algumas pedem nota fiscal, outras não.
Algumas usam fóruns durante o trabalho, para você poder conversar com o gerente de projetos e o revisor, algumas trabalham em plataformas online, algumas nem te pedem CAT específica.
Muitas me passaram guias de estilo, que adoro, aprendi bastante com eles – sugiro que você faça o mesmo. Muitas me ensinaram a usar ferramentas com o X-Bench, outras só querem saber de Trados. Se quiser investir em uma CAT Tool para trabalhar para agências, vai fundo nele. O memoQ também é uma ótima opção.
Algumas tinham um lindo esquema de feedback organizado para cada projeto, muitas nunca me deram nem feedback negativo, nem positivo. O controle de qualidade é algo bem desenvolvido nas maiores agências, também, muitas vezes seu pagamento é baseado nisso. Mas isso é tema para outro post.
O que posso recomendar a quem vai começar a trabalhar com agências é: leia e aprenda. Não tenha medo de perguntar. É muita informação, a agência pode te encher de Starter Kits, glossários, regras de entrega, regras de revisão. Leia, leia, leia. Cada uma funciona de um jeito, cada uma tem um cliente que prefere “grátis” e não suporta “gratuito”.
Nessas horas, seu gerente de projetos é seu melhor amigo. Pergunte qualquer dúvida que você tenha o quanto antes para a linha de produção da agência funcionar direitinho.