Tradução: Brasília aos olhos de um estrangeiro

Brasília, uma capital que é uma cidade à parte

Y23BRASILIA1-master675

BRASÍLIA – A bandeira brasileira diz: “Ordem e Progresso” – o que é algo um tanto curioso neste país maravilhosamente confuso e bonito. Para uma pessoa de fora que tenha visitado as casas noturnas de samba do Rio de Janeiro, a selva amazônica ou São Paulo, com suas favelas em ruínas e tráfego intenso, “ordem” não é o que vem à mente.

Até você chegar em Brasília.

Em um país conhecido por seu talento para a improvisação, Brasília é um contraste chocante – uma cidade tão organizada que é difícil acreditar que está realmente localizada no Brasil.

“Você não consegue encontrar samba, não consegue encontrar uma esquina para tomar cerveja e não consegue encontrar futebol”, disse Henrik Jönsson Brandão, cujo livro Fantasy Island: The Brave New Heart of Brazil explora a história e a cultura de Brasília. “Eles nem tem favelas no centro da cidade. Isso é totalmente estranho para o Brasil”.

Para muitos, uma das imagens mais famosas do Brasil é o futebol que se joga nas praias ao longo do cintilante Oceano Atlântico. Brasília, a cerca de 930 quilômetros a noroeste do Rio, nem fica no litoral.

Mas a cidade tem futebol, sim.

Na segunda-feira, Brasília será a sede da última partida do Brasil no Grupo C, contra Camarões, no Estádio Nacional, um dos construídos para a Copa do Mundo. Ele foi projetado para funcionar dentro dos seus vastos arredores, onde os nomes da maioria das ruas não são só compostos por palavras, apenas por letras e números.

Brasília, uma cidade relativamente jovem, tem em seu coração uma vitrine para o modernismo brasileiro – projetado em grande parte por Oscar Niemeyer, o Pelé da arquitetura brasileira. Ela também é conhecida por suas largas avenidas, cujo trânsito flui livremente e pelas chamadas “superquadras”, de vida residencial tranquila.

Brasília, embora a capital do país, é claramente não brasileira: é muito rígida e, sim, muito organizada.

“Ame ou odeie”, disse Nelson Sousa da Secretaria de Comunicações do Distrito Federal, que cresceu aqui.

“Todo mundo concorda que ela é diferente”.

Y23BRASILIA2-articleLarge

Jönsson, um forte crítico de Brasília pela sua escala desumanizada, pelo menos reconheceu: “É muito relaxante viajar para lá vindo do Rio de Janeiro”.

Nascida do meio de uma pastagem em um planalto de pouco mais de mil metros em 1956 e inaugurada em 1960, Brasília foi inventada por políticos e burocratas para políticos e burocratas. Projetada em grande parte por Lúcio Costa, atualmente é a quarta maior cidade do Brasil.

O conceito iniciado pelo presidente Juscelino Kubitschek por decreto constitucional era transferir a capital do Rio para uma cidade que significasse o impulso do Brasil para a modernidade e incorporasse igualdade social, tendo todas as classes vivendo lado a lado. Muitos dos residentes pobres e da classe trabalhadora, no entanto, foram relegados para a periferia da cidade, em cidades-satélites bem menos organizadas.

Ainda assim, com mansões que causariam inveja a qualquer milionário de Beverly Hills, a cidade tem uma das maiores rendas per capita da América Latina.

O plano piloto do centro da cidade tem formato de um X iniciado de um centro, estando a cidade dividida em superquadras e blocos menores, que contém edifícios residenciais modernistas. Estes foram projetados por Niemeyer para proporcionar espaços abertos, com muito verde e árvores importadas de outras partes do país.

Os edifícios mais emblemáticos incluem a Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, projetada por Niemeyer, bem como os palácios do governo central, que ficaram iluminados de verde e amarelo durante a Copa do Mundo. Embaixo de tudo isso, uma camada impressionante de terra cor de tijolo vermelho.

Lúcio Costa aproveitou bem o espaço ilimitado que tinha para trabalhar, então a escala de Brasília é difícil. Em especial para os pedestres, que foram aparentemente esquecidos em meio à paixão de Lúcio Costa (do mesmo modo que Robert Moses em Nova York) para levar a cidade a um futuro cheio de automóveis.

Patrick Gough, planejador de transporte urbano de São Francisco, veio ao Brasil para a Copa do Mundo e fez questão de incluir Brasília em seu itinerário. Embora impressionado com a arquitetura, ele ficou decepcionado com a cidade. “Foi uma ideia ousada”, disse Gough. “Mas, no final, foi uma experiência fracassada e eles estão presos com ela. Eu me sinto mal pelas pessoas que vivem aqui tão isoladas umas das outras”.

Na cidade central, cada superbloco tem uma escola, um clube social, um centro de saúde e uma ou duas tiras comerciais com restaurantes e lojas. Não há casas individuais privadas no plano piloto, nem cercas ou muros. Em teoria, é permitido que alguém ande – se é que alguém faria isso – toda a extensão de norte a sul.

“É como se fossem 120 campus universitários alinhados um do lado do outro”, disse Fares el-Dahdah, professor de arquitetura da Universidade Rice e um dos grandes defensores de Brasília. Ele argumentou que a crítica à Brasília é injusta e desatualizada, dizendo que os projetos de Niemeyer tiveram um toque brasileiro exclusivo, apreciado na época. Mas mesmo ele reconheceu que a cidade era um lugar à parte.

“Parece mais com Houston do que com o Brasil”, disse ele.

El-Dahdah ficou encantado com Brasília adolescente, quando seu pai, Antoine, foi nomeado embaixador do Líbano, servindo ali de 1978 a 1983. Ele se apaixonou pela arquitetura, especialmente pelo Palácio do Itamaraty de Niemeyer, a casa do Ministério das Relações Exteriores, que o professor chamou de “o edifício mais ridiculamente belo do mundo”.

O novo estádio de futebol, com custos de construção extremamente acima do orçamento, é enorme do lado de fora e quase aconchegante por dentro. Muitos estão prevendo que ele ficará obsoleto depois da Copa do Mundo, apesar de os organizadores insistirem que ele terá uso para shows e jogos com times de futebol do Rio e de São Paulo, que são muito populares em Brasília.

A história do futebol local em Brasília é escassa. O clube mais antigo é o Brasília, que foi fundado em 1975 e não joga atualmente na primeira divisão. Mas quando os moradores originais de Brasília chegaram de outras partes do país, trouxeram suas alianças de futebol com eles. O Flamengo do Rio de Janeiro recentemente jogou na cidade e lotou o estádio.

E na segunda-feira, quando a seleção estiver buscando um lugar na fase eliminatória e o mundo estiver assistindo, o estádio certamente estará cheio.

Tradução do original em inglês disponível aqui.
Traducción al portugués del original en inglés disponible aquí.
Portuguese translation of the original English version available here