30 de setembro, dia de São Jerônimo.
Segundo o livro Legenda Áures – Vidas de Santos, São Jerônimo nasceu entre as atuais Croácia e Hungria e “ainda jovem foi para Roma, onde estudou letras gregas, latinas e hebraicas”. Infelizmente, não encontrei nada falando se ele traduziu a Bíblia para todos esses idiomas, só uma historinha. Certa vez entrou um leão no convento e São Jerônimo ajudou a fera, tirando um espinho da pata dela. A partir daí, teve um leão de bichinho de estimação. Conclusão: se o santo padroeiro da sua profissão não é sinistro como o da minha, foi mal, hein.
Como vim parar aqui
Entrei para a tradução depois de ser reprovada em Relações Internacionais e em Jornalismo. Obrigada, nota de corte do vestibular da UnB. Não fosse você, eu não teria chegado à reunião de calouros do curso de Letras-Tradução já com certeza absoluta do que iria fazer pelo resto da vida.
O coordenador do curso (maravilhoso Mark Ridd, salve, salve) explicou já no começo que tradutor era daquele tipo de gente que lê absolutamente tudo que cai em suas mãos, até bula de remédio. Imediatamente lembrei da minha mãe me recriminando com um “A gente vê com os olhos, não com as mãos”.
Daí para frente, foi tudo muito divertido. Nada como perceber que o mundo tem problemas reais a la “como explicar em inglês o que é uma cocada”. E talvez a maravilhosa globalização tenha dado uma forcinha a mais para o mercado, por que não?
Presente
O fato é que cá estamos nós, com quase dez anos de formada e uma pós em interpretação depois – igualmente divertida e recompensadora – ainda trabalhando com o que gostamos. Parece que pouca gente tem o meu gostinho, uma pena.
Gostaria de agradecer publicamente também aos Beatles. Não fosse eu tão viciada em escutar as músicas deles, não teria tanta facilidade para a língua inglesa. Em consequência, não me preocuparia em entender exatamente o que eles estavam cantando e não estaria escrevendo esse post hoje. Coloco na roda também o senhor Stevie Wonder, os meninos Temptations e, por que não, aqueles Rolling Stones.
Agradeço muito, também, por todos os pepinos que atravessaram meu caminho até o momento. Foram trabalhosos, mas me fizeram aprender bastante.
Você quer exemplos, leitor? Pois bem, já fiquei trabalhando até quatro da manhã para entregar documento na hora. Já traduzi documentos esdrúxulos (manual de absorvente menstrual, manual de arma de fogo, cardápio de culinária regional cuiabana – para mencionar alguns), já até arrumei doenças antes da hora por conta de trabalhos malucos.
Mas valeu a pena?
Tudo vale a pena se a alma não é pequena, já disse um Pessoa aí. Para mim, não há nada mais gratificante do que receber um elogio como o da semana passada ou ver que a pessoa conseguiu aquela bolsa com uma ajudinha da amiga tradutora aqui.
Uma fulana dia desses perguntou se meu trabalho era solitário, eu fui obrigada a dizer que sim. Mas olha: adoro minha solidão recompensadora. Por que? Porque a cada novo 30 de setembro eu concluo que aprendi mais coisa, que descobri a pronúncia certa de cada palavra – e que aprendi que falei errado dada expressão esse tempo todo –, que faço o meu trabalho de forma cada vez melhor.
Espero continuar meu aprendizado com pagamento por muitos e muitos anos.