Muita gente me pergunta o que precisa fazer para ser tradutor. Acho que a melhor resposta para essa pergunta é começar falando do trabalho em si, para depois debater as etapas para chegar até lá.
O ofício de tradutor é, ao meu ver, dos mais interessantes. Primeiro porque você convive com mais de uma cultura, descobre fatos interessantes sobre elas e, ainda por cima, aprende a valorizar seu idioma materno vendo o trabalho que dá para o pessoal aprendê-lo depois. Um bom tradutor não necessariamente domina sua língua de trabalho, mas sim é exímio no seu idioma materno. Afinal de contas, é o que ele vem praticando a vida toda.
Ok, tudo muito bom, mas olha, eu falo inglês (espanhol, francês, japonês, russo – insira aqui sua preferência) muito bem, não posso começar a trabalhar com isso?
Tradução tem dessas. Não sendo um ofício regularizado como a medicina ou a advocacia, não é preciso ter formação específica na área para trabalhar com isso. Grandes tradutores nunca tiveram uma aula de tradução na vida, então se você está vindo de outra área, não se preocupe.
Minha ressalva, no entanto, é: tem certeza que seu conhecimento do idioma estrangeiro é bom assim? Eu me achava uma exímia falante de inglês quando passei no vestibular para Letras-Tradução na UnB. Eu tinha 18 anos, a gente é metido a besta nessa idade, né? Na primeira aula – Inglês – Compreensão de Textos Escritos 1 – a professora passou um artigo da Newsweek e eu vi que não era bem assim.
Mas como assim?
Simples, inglês não é minha língua materna. Eu sei de cor poemas e canções infantis brasileiras, gírias, palavras rebuscadas dos livros de Machado de Assis que tive que ler na escola – porque nasci e fui criada no Brasil, falando português. Deixe-me dar exemplos práticos:
- Uma professora argentina que tive logo que chegou ao Brasil não sabia o que era Capitu nem que música era essa tal de Taj Mahal;
- Quem não é brasileiro não vai entender que o “poetinha” é o Vinícius de Moraes;
- Uma colega inglesa uma vez quis me falar que meu chefe era gente muito fina, veja bem, gramática perfeita, mas como explicar para ela que gente fina nunca é flexionado?
A graduação em tradução me deu ferramentas infinitas de como aprimorar meu conhecimento. E olha que nem tive aula de tradumática, fui aprender sobre CAT tools muito tempo depois. Mas macetes como ver como é um rótulo de xampu em inglês antes de traduzi-lo livremente do português eu aprendi lá. Ou suprimir pronomes pessoais em português, já que eles não fazem tanta falta como em inglês. Poderia escrever cem posts falando sobre toda a bagagem que adquiri na UnB.
Mas eu tenho certeza que vou me dar super bem!
Não duvido. Mas esteja preparado para qualquer tipo de texto. Não é porque você legenda suas séries favoritas que alguma vez na vida não vai traduzir um contrato de afretamento, um manual de gerador eletrônico, um relatório de SMS. Tradutor traduz de tudo e um pouco mais. Exceto quem se especializa em determinada matéria e só se concentra nesse tema.
Meu calcanhar de Aquiles, por exemplo, é economia. Não gostava na faculdade, não gosto de ler no jornal – se chega uma tradução de finanças para mim você acha que eu recuso? Nada, manda para cá esse balanço patrimonial que eu mato no peito e, com a ajuda dos dicionários técnicos, meus colegas e o maravilhoso Google, faço um gol.
Podia fazer um golaço, mas faço só um gol modesto, mesmo. Agora me manda um técnico-científico para você ver se eu não viro o Tostão.