Por que os indianos amam críquete?
PARA QUEM É DE FORA, a magnitude do amor dos indianos pelo críquete é tão incompreensível quanto sua intensidade febril. No dia 4 de fevereiro, a Índia entregou o Bharat Ratna, sua mais alta condecoração a um civil, a Sachin Tendulkar, um jogador recém-aposentado. Milhões na Índia – um país com 1,3 bilhão de pessoas e apenas um esporte popular em nível nacional – comemoraram loucamente.
Quando a seleção indiana tem um jogo importante, cerca de 400 milhões de pessoas assistem pela televisão. No entanto, o aumento da popularidade do críquete na Índia é questionável. Para ser jogado corretamente, o esporte exige espaço, um bom campo de grama e equipamentos caros – que só poucos jogadores de críquete da Índia podem arcar. A maioria deles nunca vai usar proteção adequada ou fazer uma jogada de bowling com uma bola de couro. Então, por que eles amam tanto esse esporte?
Ao contrário do que muitos acreditam, o sucesso da Índia no críquete não explica o esporte – se explicasse, o hóquei seria muito mais popular. Entre 1928 e 1956, o time de hóquei do país ganhou seis medalhas consecutivas de ouro nas Olimpíadas, um feito que os jogadores de críquete nunca ousaram alcançar. Apesar de ter um número maior de jogadores de críquete que todo o resto do mundo combinado, só muito recentemente a Índia tornou-se uma equipe competitiva dentro do esporte.
A conquista da Índia pelo críquete tampouco é um projeto colonial. Os governantes britânicos do século XIX nunca tiveram a intenção de impor seu jogo favorito – mas esta é a razão original, e talvez a mais importante, da sua propagação surpreendente. Ansiosos pelo prestígio que os britânicos relacionavam ao esporte, alguns indianos mais ricos e ambiciosos – incluindo os das comunidades comerciais parsis e hindus em Bombaim e os governantes principescos de outras cidades – começaram a praticá-lo com seus próprios bastões.
Assim, o críquete tornou-se um jogo da elite indiana, carregado de significado político, característica esta que nunca perdeu. Jawaharlal Nehru (o primeiro primeiro-ministro indiano, ex-aluno da prestigiosa Harrow School) abriu o batting (como se diz no críquete), ou seja, inaugurou os discursos no Parlamento Indiano. Isso foi um símbolo de uma retenção maior da cultura e das instituições britânicas – nenhum outro esporte jamais recebeu patrocínio tão importante na Índia.
Mas o críquete indiano não era só para a elite. Desde seus primeiros dias em Bombaim, também era um esporte das massas. Torcidas imensas acabaram assistindo as primeiras equipes de parsis e hindus vencerem seus colonizadores e jogarem entre si mesmas. Isso refletiu a época e o lugar. O crescimento intenso nas fábricas têxteis de Bombaim tinha gerado uma nova classe trabalhadora organizada, com pouquíssimo tempo livre e dinheiro. Talvez também tenha refletido a natureza hierárquica da sociedade indiana tradicional.
Mais recentemente, a popularidade do jogo aumentou massivamente com o crescimento dos meios de comunicação, especialmente a televisão. Em 1989, a Índia tinha cerca de 30 milhões de domicílios com televisão. Agora são aproximadamente 160 milhões, uma explosão que, em parte, foi impulsionada pelo críquete. Ele é o produto de mídia que a maioria dos indianos quer assistir. Por sua vez, a base de fãs de críquete na Índia multiplicou-se muitas vezes e a importância de um jogo da seleção mudou.
Já não se trata mais só de um esporte da elite – o críquete indiano agora é enfaticamente populista. O que antes era um jogo de verão inglês tornou-se na Índia uma indústria de celebridades, altamente politizada e que vale bilhões de dólares. Dentro desse panorama, os famosos ideais cavalheirescos, de boas maneiras e o fair play do críquete são, na melhor das hipóteses, apenas vagamente aparentes.
Tradução do original em inglês disponível aqui.
Traducción al portugués del original en inglés disponible aquí.
Portuguese translation of the original English version available here.