Tradução: “A Copa do Mundo foi tão boa assim?”

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(Foto: Estadão)

A Copa do Mundo foi tão boa assim?

A final da Copa do Mundo de 2014 vai decidir não apenas quem são os campeões, mas também se esse torneio foi bom ou não. Os jornalistas e especialistas de TV nos disseram repetidas vezes que a copa foi uma maravilha: o melhor da memória viva, cheia de drama, emoção, estrelas e lindos gols.

Mas esses mesmos especialistas e jornalistas estão neste momento todos bronzeados, relaxando. São filmados constantemente sentados em uma mesa junto ao mar. Não há nenhuma dúvida de que todos eles estão achando tudo maravilhoso. Seus anfitriões foram generosos e acolhedores e, no fim das contas, em todas as cidades havia clima de festa. Mas e quanto ao resto de nós, aqueles que só podem julgar o evento de casa, sentados na frente da TV?

Houve grandes momentos e belos gols, isso é claro. Sempre há. Mas os momentos vergonhosos e desastrosos das Copas do Mundo são nos jogos de mata a mata. No fim das contas, nessa edição – com a exceção de um jogo extraordinário que abalou a Terra – os jogos têm sido medianos e, ocasionalmente, profundamente deprimentes.

É verdade que apenas dois dos jogos de morte súbita foram sem gols, e ambos contaram com os sombrios, cínicos e insossos holandeses. Eles não só mal cruzaram a linha do meio de campo desde a sua extraordinária vitória por 5-1 sobre a Espanha, como também não conseguiram marcar sequer um gol nas últimas vezes que jogaram uma final, uma semifinal e uma quartas de final. Ou seja, seis horas de futebol. Mas em todos os jogos das oitavas, os favoritos venceram das zebras por pouco e nenhum time jogou muito bem. Um deles, Bélgica x EUA, foi provavelmente o melhor jogo da Copa do Mundo do século XXI. O resto dos jogos foram, em sua maioria, bem maçantes.

Três dos jogos de quartas de final não podem nem ser considerados jogos e, embora o quarto deles – Brasil vs. Colômbia – tenha tido alguns momentos de emoção, também foi brutal. Quando James Rodriguez foi fotografado chorando após o apito final, a gente não conseguiu evitar se perguntar se as lágrimas foram causadas por decepção ou pela frustração de ter sido eliminado da competição.

A arbitragem nesta Copa do Mundo tem sido robótica: as autoridades claramente receberam três instruções e fizeram um grande show ao obedecer todas elas. A primeira foi garantir que todos os jogadores soubessem onde colocar as mãos quando estivessem de pé na barreira – grande coisa. A segunda foi separar os adversários de luta livre antes que eles definissem o canto em que ficariam, sem nunca fazer nada para conter agarrões quando o bola estava em jogo. A terceira foi manter seus cartões no bolso durante o primeiro tempo. Foi isso que causou um impacto em Rodriguez e, mais tarde no jogo, no pobre Neymar – um controle mais rigoroso das faltas desde o início teria evitado o confronto ridículo e perigoso que o colocaria fora da Copa do Mundo.

É uma tarefa impossível, é claro, porque a grande maioria dos jogadores de futebol internacional são trapaceiros terríveis. Eles puxam camisas, deixam o pé, fingem ter se machucado quando na verdade estão bem, fingem que não fizeram nada quando machucaram alguém, contestam todo e qualquer lateral, escanteio, tiro de meta. Até que os jogadores e treinadores assumam alguma responsabilidade, os árbitros não terão chance.

Ademais, o torneio mostrou um dos mais extraordinários 30 minutos que os fãs de futebol – corrigindo, fãs de esportes – já viram. Sem comparação com qualquer outro evento, no entanto (talvez com o salto de Bob Beamon em 68, ou com Cassius Clay acabando com o Sonny Liston), não foi uma diversão descomplicada. Conheço algumas pessoas que não conseguiram assistir e saíram da sala, por estarem se contorcendo muito. O jogo Brasil x Alemanha pareceu mais uma caça à raposa – aquela parte em que a raposa é esquartejada em pedaços, não a parte supostamente alegre de perseguição.

E foi o Brasil, cuja carne estava sendo arrancada de seu corpo. O Brasil, que há várias gerações de fãs de futebol é a razão pela qual assistimos Copas do Mundo. Mesmo nos anos que a gente descobre que eles nem estão lá muito bem ou quando não vão muito longe no torneio, temos sempre a esperança de que eles vão nos mostrar algo ou alguém novo e surpreendente. Nos anos 70 e 80, praticamente todos os times brasileiros foram uma surpresa, até porque os jogadores tinham suas carreiras no Brasil e ninguém na Europa ou em qualquer outro lugar fora da América do Sul sabia muito sobre eles.

Pelé jogava no Santos, Zico, no Flamengo, Éder, no Atlético Mineiro. Eles fizeram coisas que a gente nunca tinha visto, em parte porque a gente nunca tinha tido a oportunidade de vê-los. Isso está no passado – todos os melhores brasileiros atualmente jogam na Europa – e os nomes na lista da equipe brasileira nesse ano não só eram familiares como desinteressantes. Já sabíamos que alguns desses jogadores não eram capazes. Brasileiros que não são capazes, jogando uma Copa do Mundo no Brasil!

Como torcedor do Arsenal,  estou acostumado a ver capitulações horríveis. Ano passado, no Anfield, nós levamos quatro gols do Liverpool nos primeiros 20 minutos. O Chelsea nos meteu quatro no primeiro tempo em Stamford Bridge. O Manchester United, oito no Old Trafford em 2011. Mas todo mundo sabe porque o Arsenal apanha tanto: o técnico coloca muitos atacantes no meio-campo, nunca muda o esquema técnico do seu time de modo a sufocar o adversário.

O Brasil tinha um atacante realmente criativo e ele estava machucado para o jogo com a Alemanha – certamente a consequência seria uma espécie de solidez defensiva, a capacidade de anular? E se não, então qual era a intenção de qualquer um desses jogadores? O que aconteceu na terça-feira à noite foi um colapso nervoso televisionado e o fim de uma longa era, que começou na década de 1950. Ninguém mais vai olhar para o futebol brasileiro da mesma forma por muito, muito tempo.

Graças a Deus, então, pela Alemanha, já que ninguém disso isso muitas vezes. Eles foram os que menos aprontaram, os que vêm tentando marcar gols em todos os jogos e os que jogaram com brio. Embora estejam aparentemente condenados a ser descritos, pelo menos na Inglaterra, como “cruéis” e “eficientes” até o final dos tempos. Os espanhóis jogam tiki-taka, mas os alemães sempre serão uma máquina, não importa quantos Mesut Ozils, Thomas Mullers e Mario Gotzes eles produzam.

O futebol internacional na verdade é sobre a glória. Ele tem dinheiro suficiente para o Sepp Blatter e seus companheiros na FIFA, mas não é um negócio sério como um clube de futebol europeu – meios de subsistência e futuros não dependem do seu resultado. Por que tentar um empate em zero a zero e ganhar nos pênaltis, quando o mundo inteiro está assistindo? Por que não tentar marcar mais gols que o outro time? Quantos torcedores holandeses, pessoas que se lembram do Cruyff, Van Basten, Gullit e Bergkamp, ​ficariam muito felizes com uma nova final, talvez um outro empate sem gols, talvez até mesmo o próprio troféu?

Certamente o resto do mundo vai esquecer este time atual o mais rápido possível. Se os alemães jogarem como têm jogado e ganharem a Copa do Mundo no domingo, então a glória será deles. E então essa Copa do Mundo – como os especialistas que estão tomando uma bebida na praia de Copacabana continuam nos dizendo – terá valido a pena.

NICK HORNBY

Romancista e roteirista inglês. Nick é mais conhecido por seu livro de memórias seminal sobre futebol “Febre de Bola”, bem como seus romances “Alta Fidelidade” e “Um Grande Garoto”.

Tradução do original em inglês disponível aqui.
Traducción al portugués del original en inglés disponible aquí.
Portuguese translation of the original English version available here.

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