Tradução: entrevista com David Bellos

A arte da tradução

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David Bellos

Por Eben Shapiro

Se existisse um cargo no governo para tradutores, ou talvez uma embaixada, David Bellos seria um forte candidato. O Professor Bellos é um dos tradutores literários mais ativos dos EUA.

Ele já traduziu mais de 20 livros e é diretor de um programa da Universidade de Princeton que concede certificados de tradução. Ele também é autor de sete livros, incluindo Is that a fish in your ear? (sem edição no Brasil) que a revista The Economist citou como “o Livro do Ano de 2011”. A crítica dizia: “sob o disfarce de um livro sobre tradução, há uma história cultural rica e original”.

twilight

Esta semana, a mais recente tradução do Sr. Bellos, Twilight of the Eastern Gods (sem edição no Brasil), de Ismail Kadare, foi publicada pela editora Grove Press.

Em uma entrevista (via e-mail e editada), Bellos, 69 anos, discutiu a arte da tradução.

WSJ: Por que é tão comum as pessoas depreciarem as traduções literárias e criticarem a qualidade das traduções?

O desdém às traduções literárias me parece menos prevalente do que antes. Quando isso acontece, mesmo hoje em dia, pode expressar um medo do estrangeiro e do novo. Pode ser uma maneira de se impor, implicando (nem sempre de forma honesta) que a pessoa é capaz de ler obras nas línguas originais.

É mais difícil traduzir uma piada ou uma cena triste?

Piadas que têm relação com os sons das palavras, falam sobre a gramática da língua ou sobre ortografias, muitas vezes não podem ser traduzidas precisamente. Para essas piadas (mas não para outros tipos de comédia – que são muitos, graças a Deus!), os tradutores têm que vasculhar suas cacholas para inventar trocadilhos e jogos de palavras e colocá-los no lugar (nem sempre no mesmo lugar).

Traduzir piadas é muito divertido! Cenas tristes exigem esforços de outro tipo – muitas vezes, uma linguagem de contenção e eufemismo. O que pode ser igualmente difícil.

Quantas línguas o senhor fala?

Depende do que você entende por “falar”. Eu posso passar por um francês durante uma hora, mais ou menos, até cometer algum erro que me entregue. Leio em alemão sem muito esforço, mas ninguém me confundiria com um nativo por mais de dez segundos. Tenho vergonha do meu conhecimento de russo hoje em dia, mas já falei muito bem. E é isso aí!

Sou apenas um poliglota razoável e tenho muitos colegas que falam o dobro de línguas que eu. Devo acrescentar que adquiri o meu pequeno conjunto de habilidades durante o ensino médio, há meio século, e não aprendi muito mais desde então, apesar dos meus esforços fúteis e esporádicos de dominar húngaro e hebraico. Jovens leitores, por favor, me escutem: façam isso agora!

Como o senhor começou na carreira de tradutor? Tem algum conselho para aspirantes a tradutores?

Eu li A vida: modo de usar de Perec em francês em 1981 e fiquei fascinado. Mesmo antes de terminar de ler, senti que aquele livro precisava de uma versão em inglês, para que eu pudesse compartilhar meu entusiasmo com os outros. Foi assim que comecei. Acho que muitas outras carreiras em tradução começaram com algo do tipo. A mesma paixão ou envolvimento forte com um livro, um escritor ou até uma escola de pensamento que fez da tradução uma consequência natural e necessária.

Eu não encorajo ninguém a desenvolver carreira em tradução caso não tenham paixão por buscar e, ao mesmo tempo, um gosto por explorar sua própria língua. Dada a baixa remuneração e o reconhecimento insignificante que os tradutores geralmente recebem, não é uma opção muito racional de carreira. Claro, isso também é verdade para outras carreiras como atores, montanhistas, equilibristas de corda bamba, acrobatas em bicicletas e quase toda atividade que faz seu coração acelerar.

Que grandes obras disponíveis ainda precisam ser traduzidas para o inglês?

Devem existir centenas e milhares de livros maravilhosos dos quais nunca ouvi falar. Pois não foram traduzidos e porque eu só consigo ler em dois (ou três – mas quatro com certeza não) dos oitenta principais idiomas do mundo (e todos os outros 6926). No entanto, não posso acreditar que Jaan Kross é o único escritor estoniano que vale a pena ser lido, ou que Ismail Kadare seja o único romancista albanês de nível mundial, ou que não haja escritores importantes em búlgaro.

Existe alguma obra que seja amplamente considerada como intraduzível, ou que seja considerada o Monte Everest da profissão de tradutor?

Quisera eu que menos tempo e talento tivessem sido gastos na escalada e, em seguida, nas novas escaladas de picos do Himalaia com topografias tão bem executadas. Como os dos picos de Homero, Virgílio, Dante, Cervantes, Shakespeare, Flaubert, Kafka e Proust – em vez de descobrir as colinas e vales de mundo da literatura sobre os quais ainda não tenho conhecimento.

A única obra verdadeiramente intraduzível é aquela que você não consegue entender, mas a verdade é que existem algumas que são assustadoras, tamanha a dificuldade. Destes, o mais óbvio é a obra A Void (sem edição no Brasil), de Perec, um romance todo escrito sem a letra e. Mas como já foi traduzida para espanhol, hebraico, japonês, sueco, alemão e inglês, você dificilmente pode chamá-la de intraduzível!

No novo livro de Kadare que o senhor traduziu, houve alguma passagem ou palavra em especial que foi difícil de traduzir?

Twilight of the Eastern God se passa em Moscou no final dos anos 1950. Nele, Kadare faz referência a uma avant-garde suave e, portanto, um dístico hendecassílabo politicamente escandaloso que tinha escrito em albanês. Não é ficção – a poesia de Kadare foi publicada na Albânia e traduzida para o russo quando ele ainda era estudante na União Soviética.

Traduzo Kadare a partir de suas traduções em francês, já que eu não leio albanês, infelizmente. No entanto, por um acaso inexplicável, a tradução russa do dístico que Kadare dá em forma transliterada na edição francesa do romance me permitiu inventar duas linhas de poesia em inglês, que também são hendecassilábicas! Não havia absolutamente nenhum motivo para fazer isso – a poesia em inglês não é medida em sílabas, então os leitores não vão notar. Mas se você quer um exemplo do tipo de desafio louco que tradutores encontram no caminho e às vezes enfrentam (mais por sorte do que por genialidade, devo acrescentar) – bem, esse certamente fica preso na minha mente.

Quem é seu tradutor favorito de Chekhov?

Chekhov, como Kadare, sobrevive a todos os seus tradutores. Eu realmente não me importo com que tradução cai sobre minha mesa. Chekhov é sempre puro deleite.

A Vida: modo de usar é o próximo livro na minha lista e estou um pouco intimidado. Pode me dar alguma dica?

Tenha paciência no início.  As primeiras cinquenta páginas exigem um esforço especial por parte do leitor. Acho que Perec tinha a intenção de que sua abertura fosse uma barreira, uma espécie de curso de formação para ensinar os leitores a ler. Depois que você passar do quebra-mola e for aprovado no teste, tire uma semana de folga do trabalho para poder se debruçar nas 700 páginas seguintes, sem interrupção. Três semanas mais tarde, leia o índice, com cuidado.  Luzes que você nunca pensou ter começarão a piscar no seu cérebro. Até lá, você vai ter se candidatado a outra licença, para ler A Vida: modo de usar todo de novo, com compreensão. É um livro que você nunca deve parar de ler.

Tradução do original em inglês disponível aqui.
Traducción al portugués del original en inglés disponible aquí.
Portuguese translation of the original English version available here.

http://blogs.wsj.com/speakeasy/2014/11/05/the-art-of-translation/