Tradução: “Entenda como o cérebro fala duas línguas”

Hablan dos idiomas? Vocês deveriam.

Por Jeffrey Kluger

23 de abril de 2013

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Aprender a falar foi, até agora, o seu feito mais extraordinário. Não foram só as 50 mil palavras que você teve que dominar para se tornar fluente. Nem o fato de que, nos primeiros cinco ou seis anos da sua vida, você aprendeu cerca de três palavras novas por dia. Foram as formas verbais, a sintaxe e todos os andaimes da gramática, sem mencionar as metáforas e alusões – além dos quase-mas-nem-tanto sinônimos.

Mas você conseguiu e merece os parabéns. Agora imagine passar por isso duas ou três vezes de novo – tornar-se bilíngue, trilíngue ou mais. A mente de um poliglota é algo muito específico. Os cientistas estão apenas começando a observar bem de perto como a aquisição de uma segunda língua influencia o aprendizado, o comportamento e a própria estrutura do cérebro. Semana passada, o Lycée Français de Nova York, LFNY (uma escola onde todos os alunos aprendem tanto em inglês como em francês) e o departamento de Serviços Culturais da Embaixada Francesa nos EUA organizaram uma conferência sobre bilinguismo. Especialistas em linguagem se reuniram para explorar a posição da ciência sobre essa questão e qual será seu próximo passo. Por sinal, meus filhos estudam nessa escola.

Seres humanos são linguistas crus desde o momento em que nascem. Talvez até mesmo ainda no útero – a tal ponto que somos capazes de escutar sons falados e começar a reconhecer sons de linguagem de combinações diferentes. A princípio, não ligamos muito para que fonemas de quais línguas absorvemos. O que faz sentido, já que o cérebro tem que estar pronto para aprender qualquer uma das milhares de línguas do mundo, dependendo de onde a gente tenha nascido.

“Antes dos nove meses de idade, um bebê balbucia centenas de fonemas de centenas de línguas”, diz Elisabeth Cros, fonoaudióloga da École Internationale de Nova York. “Os pais reagem a esses fonemas quando reconhecem algum da sua língua nativa, o que reforça o uso desses fonemas selecionados por parte do bebê”.

Ter trabalho duplo com um par de línguas em vez de uma só exige trabalho extra, mas é um esforço que crianças pequenas em geral não se dão conta que estão fazendo. Bilíngues de todas as idades estão enfrentando constantemente o que a psicóloga e pesquisadora Ellen Bialystok da Universidade de York, em Toronto, chama de dilema do dog-chien. Ou seja: se deparar com um objeto, ação ou conceito e instantaneamente alternar entre duas palavras diferentes para descrevê-la. Essa tomada de decisão tão rápida deveria aperfeiçoar a resolução imediata do problema. Os estudos mostram que é isso o que, de fato, acontece.

Os pesquisadores de linguagens costumam citar o famoso Teste de Stroop, que pede que as pessoas olhem para a palavra “vermelho”, por exemplo, que está escrita em uma cor diferente (por exemplo, azul). Depois, elas têm que ler a palavra em voz alta e identificar no computador a cor. Esse esforço exige uma fração de segundo adicional, em comparação a uma situação em que tanto a palavra e a cor são as mesmas. Todo mundo apresenta certa demora para realizar essa tarefa, mas entre bilíngues, o tempo é bem mais curto. “Os monolíngues sempre precisam de mais tempo”, diz Bialystok. “É uma vantagem dos bilíngues para a vida toda”.

Ter destaque no teste de Stroop não é lá um talento muito valorizado no mercado, mas o que isso sugere sobre o cérebro é impressionante. Sean Lynch, diretor do LFNY, já tinha trabalhado em uma escola multilíngue na França. Lá, todos os alunos falavam francês e pelo menos uma entre 12 outras línguas, entre elas japonês, russo, italiano e espanhol. Como costuma ser o caso de escolas abastadas, os alunos em geral tiveram um desempenho escolar melhor dentro da sua faixa etária. Mas é impossível determinar o quanto disso tem relação com suas capacidades naturais e o quanto é devido ao fato de eles simplesmente terem tido acesso a melhores professores, livros e recursos. Ainda assim, Lynch observou que os alunos aparentemente demonstraram ter maior facilidade com tarefas que lidavam com interpretação de representações simbólicas, como matemática e música.

Lynch acredita também – apesar de se basear primariamente em observações próprias – que crianças multilíngues podem demonstrar empatia social antes do que outras crianças que crescem falando só um idioma. Isso faz sentido em relação ao desenvolvimento.

A teoria da mente – compreender que o que está na sua cabeça não é o mesmo que está na cabeça de outras pessoas – não aparece em crianças antes dos três anos, aproximadamente. Antes disso, elas acham que, por exemplo, se sabem um segredo, provavelmente você também sabe. Há uma espécie de narcisismo primário nisso – uma crença de que a visão de mundo delas é uma visão universal. Assim que aprendem que não é bem assim, o autocentrismo cai por terra – pelo menos um pouco – e o longo processo da verdadeira socialização começa. Nada acelera a aquisição desse tipo de auto-observação como se dar conta que até mesmo as palavras que usamos para dar nomes às coisas do nosso mundo (cachorro, árvore, banana) não são as mesmas que todo mundo usa.

Um estudo preliminar com imagens sugere que as raízes desse comportamento podem ser até mesmo visíveis no cérebro. Alguns estudos, por exemplo, mostraram um espessamento do córtex em duas regiões cerebrais. Principalmente no lóbulo parietal inferior esquerdo, que ajuda a codificar a linguagem e os gestos. Bialystok não acredita piamente nesses estudos. Ela esperava que as diferenças mais marcantes fossem nos lóbulos frontais, onde funções superiores como planejamento, tomada de decisões e outros aspectos do que é conhecido como “controle executivo” ocorrem. Parte do seu próprio trabalho descobriu um aumento de matéria branca (a bainha que reveste os nervos e aperfeiçoa a capacidade de comunicação) nas regiões frontais de bilíngues. O que sugere uma sinalização e complexidade mais densas de funções nessas áreas. “As diferenças estruturais estão onde a ciência está alcançando conclusões reveladoras”, ela diz. “Esse trabalho vai revelar muitos fatos”.

Nem todos os estudos disponíveis apresentam benefícios ao bilinguismo. No começo do ano, psicólogos da Universidade Concordia em Montreal analisaram 168 crianças de um a dois anos, criadas por pais bilíngues. Em termos gerais, eles descobriram que as crianças mais jovens desse grupo tinham menores vocabulários de compreensão (o número de palavras que aparentemente entendiam) em comparação a crianças criadas por monolíngues. As crianças mais velhas do grupo tinham menores vocabulários de produção – ou palavras que elas eram capazes de pronunciar.

Segundo os pesquisadores, isso se deve ao fato de os pais misturarem suas línguas ao falar com os filhos, escolhendo as palavras que acham que as crianças vão ter mais facilidade de entender e reproduzir. Por sua vez, isso leva ao que os linguistas chamam de alternância de códigos. Ou seja, uma mistura de línguas pelas crianças que produzem o que os americanos chamam de Spanglish (espanglês) ou Franglish (franinglês), quando espanhol e francês se misturam com inglês. Esse estudo em especial produziu misturas mais complexas, pois incluiu crianças que falavam alemão, japonês e língua persa. Entretanto, Bialystok concorda que essa é uma desvantagem a curto prazo do bilinguismo. Ela também diz que, na maioria dos casos, as crianças acabam alcançando seus colegas.

Quando isso acontece, suas habilidades linguísticas adquiridas podem compensar no final da vida. Um estudo observou que bilíngues tiveram princípio de demência devido a idade 4,1 anos mais tarde que multilíngues e 5,1 anos mais tarde que pacientes com Alzheimer em estado avançado. “Uma escola de pensamento diz que qualquer reserva cognitiva – educação, multilinguismo, até jogos de Sudoku – fortalece o cérebro e o ajuda a ser resistente a doenças”, diz Bialystok. “A outra diz que os cérebros de multilíngues experimentam o mesmo nível de doenças dos monolíngues, mas conseguem lidar com elas de modo melhor. Eles funcionam em um nível mais alto que de outro modo seriam capazes”.

Em outro estudo de 2013, dessa vez da Universidade de Kentucky, pessoas bilíngues e monolíngues na faixa etária de 60 a 68 anos passaram por ressonâncias cerebrais. Ao mesmo tempo, elas realizavam tarefas cognitivas que exigiam que escolhessem diversas ideias diferentes. Os dois grupos realizaram a tarefa adequadamente. Porém, os bilíngues foram mais rápidos – e mais econômicos, metabolicamente, falando – na execução da missão cognitiva, usando menos energia no córtex frontal em comparação aos monolíngues.

O fato de que algo simples como resolver um quebra-cabeças ou receber boa educação pode melhorar o funcionamento do cérebro prova que o multlinguismo não é o único caminho a se seguir para permanecer cognitivamente saudável na velhice. Muitos monolíngues também apresentam bom desempenho em adquirir empatia e sociabilidade ainda jovens. Mesmo assim, há aproximadamente 6.500 línguas faladas no mundo. Deve haver um motivo para que nossos cérebros venham com instruções de fábrica para aprender mais de uma.

Jeffrey Kluger, editor sênior, supervisor de reportagens sobre ciência e tecnologia da TIME.

Tradução do artigo original em inglês disponível aqui.
Traducción desde el inglés, artículo original aquí.
Translation of the original article available here.